domingo, 6 de dezembro de 2009

"O início do período Neolítico foi quando a agricultura começou a se espalhar pela Europa central e a equipe acredita que o canibalismo no continente era uma ocorrência rara, provavelmente apenas durante períodos de fome extrema."

Trecho de reportagem da BBC Brasil sobre o achado de ossadas na Europa, datadas do período Neolítico, e que poderiam ser provenientes de canibalismo.


Resposta: Desde que Franz Boas iniciou uma visão e abordagem mais relativista no conteúdo antropológico, e não estamos falando de algo que aconteceu ontem, mas sim há várias décadas atrás, é de impressionar como ainda é algo persistente no pensamento ocidental uma via unilateral de análise das coisas em suas mais diferentes dimensões(espacial e temporal).
Leví-Strauss preferia tratar das sociedades atuais, pois apenas delas é possível se falar, já que dificilmente teriamos uma via de explicação histórica com poucos, ou nenhum em grande parte dos casos, registros das tais sociedades.
As sociedades do período neolítico, como sou levado a imaginar, dificilmente devem ter deixado algum escrito, arranjo simbólico, livro, uma simples carta ou publicação onde disseram suas preferências alimentares, rituais religiosos ou histórico de guerra. Claro que há outros meios para se chegar ao conhecimento de tais práticas, não quero aqui desligitimar o conhecimento dos arqueólogos. Mas acredito que não é por um estranhamento, tipicamente ocidental(vendo ocidental agora não como um aspecto geográfico, apenas, mas como formação histórica-valorativa) que se começa a analisar o achado de ossadas de crianças, fetos e outros mais. Que eles tenham marcas de dentes, espetos, ou seja lá o que mais tiver, que demonstre, ou levem a crer, que passaram por rituais de canibalismo é uma coisa. Outra totalmente diferente é olhar pro problema e se perguntar: "Oh, jesus! O que eles estavam fazendo comendo criancinhas e pessoas? Já deveriam ter abandonado essa prática rudimentar no período paleolítico!"
Com tal argumento você desconsidera qualquer significação simbólica do ato de se alimentar, e até mesmo da questão corporal, indivíduo, etc. O canibalismo é algo tão ritual como as missas católicas, os preparativos de um churrasco gaúcho, enfim, uma série de coisas que fazem com que aquela prática seja diferenciada de um simples "matar a fome". Tais rituais servem para individualizar a ação em uma teia simbólica que a faça ganhar significado. Falar que é uma prática simplesmente alimentar é simplificar a ação, fugindo assim do seu significado legítimo.